REPORTAGEM ESPECIAL: Por que as fundações privadas importam — e como o Brasil está redesenhando seus caminhos?

REPORTAGEM ESPECIAL: Por que as fundações privadas importam — e como o Brasil está redesenhando seus caminhos?

Entrevista com o Prof. Dr. Augusto Moutella, especialista em Direito Público, Terceiro Setor e Direito Fundacional.

1. O que representam as fundações privadas para o estado do Rio de Janeiro hoje?

As fundações privadas representam um dos pilares invisíveis — mas fundamentais — da arquitetura social e institucional do estado do Rio de Janeiro. Elas operam em áreas essenciais como saúde, educação, cultura, ciência e responsabilidade social corporativa. São instrumentos de concretude do interesse público por meio de iniciativa privada com finalidade social. No Rio, onde convivem desafios históricos e potenciais de inovação, as fundações cumprem um papel de ponte: conectam recursos, competências e finalidades públicas de forma técnica e contínua. E fazem isso com mais estabilidade que outros arranjos do terceiro setor, dada sua personalidade jurídica peculiar e seu patrimônio vinculado a finalidades permanentes.

 

2. O direito fundacional está mudando?

Sem dúvida. Estamos vivendo uma transformação normativa, jurisprudencial e conceitual. O Direito Fundacional passa por um novo ciclo, marcado por normativas como a Resolução CNMP nº 300/2024 e sua regulação pioneira pelo MPRJ (Resolução GPGJ nº 2.656/2025), que reconfiguram o papel do Ministério Público como órgão de velamento e reposicionam as exigências de governança, transparência e integridade. Soma-se a isso a iminente reforma do Código Civil e os efeitos esperados da reforma tributária, que ainda trazem incertezas quanto ao tratamento fiscal das fundações. Estamos, portanto, diante de um novo ecossistema regulatório que exige preparo e adaptação constante.

 

3. Qual a importância de se capacitar nesta área do Direito?

Capacitar-se em Direito Fundacional é hoje uma urgência. Desde as legislações de 2014 até as mais recentes, o nível de exigência jurídica, contábil e administrativa sobre as fundações cresceu exponencialmente. Mais do que nunca, é necessário dominar a tríade da conformidade: legalidade, finalidade e transparência. Capacitar-se é proteger as entidades de paralisações, riscos de responsabilização de dirigentes, perda de certificações como o CEBAS e até mesmo a dissolução judicial — algo cada vez mais presente no cenário nacional. A expertise adequada garante não apenas conformidade, mas também visão estratégica para alianças público-privadas e captação de recursos.

 

4. Das fundações privadas para as quais presta consultoria, qual caso destacaria?

Dois casos emblemáticos me vêm à mente. Um deles é a internacionalização da FUNCEX, fundação voltada à cooperação econômica externa, cuja reestruturação permitiu sua atuação em múltiplas jurisdições e captação internacional em consonância com a Agenda 2030 e os ODS da ONU. O outro, no extremo oposto, trata-se da assessoria em um processo de extinção sancionatória de uma fundação, onde enfrentamos a ausência de parâmetros processuais consolidados no Judiciário para conduzir esse tipo de encerramento com segurança jurídica — uma lacuna grave, que demanda debate nacional urgente.

 

5. Como o senhor vê a questão da remuneração de dirigentes e a controvérsia que ainda existe?

Embora juridicamente pacificada, a remuneração de dirigentes fundacionais ainda é tratada com receio por muitos conselheiros e mantenedores. Isso se deve à herança cultural do amadorismo institucional no terceiro setor. No entanto, uma fundação moderna exige gestão profissionalizada, compliance ativo e prestação de contas rigorosa. A remuneração, desde que em consonância com o estatuto, transparência pública e os parâmetros legais (inclusive da Receita Federal), é não só lícita como desejável para garantir a dedicação e a responsabilidade da gestão. A paralisia por medo da remuneração é um entrave ao desenvolvimento fundacional.

 

6. Como o senhor enxerga o papel das fundações na concretização de políticas públicas e na responsabilidade social empresarial?

As fundações privadas são hoje vetores qualificados para a concretização de políticas públicas, especialmente nas áreas em que o Estado é insuficiente e o mercado, desinteressado. Elas operam com um modelo híbrido: público na finalidade, privado na gestão. Além disso, são parceiras naturais do setor empresarial em projetos de responsabilidade social, sendo meios juridicamente seguros para execução de programas ESG e de compensações ambientais e urbanísticas. A fundação é, por excelência, o espaço da sincronia entre o capital e o social, entre a técnica e o valor público.

 

7. Quais os maiores desafios e oportunidades no horizonte para as fundações brasileiras?

O maior desafio está na transição normativa e cultural que vivemos. O marco regulatório está evoluindo mais rápido que a prática institucional das fundações. Muitos dirigentes ainda operam com uma mentalidade associativa ou filantrópica desconectada das exigências contemporâneas de governança. Por outro lado, há uma janela histórica de oportunidades com a reforma tributária, os fundos nacionais e internacionais disponíveis, os avanços da legislação de compras públicas (Lei 14.133/21), e o fortalecimento das agendas de inovação social. As fundações que se prepararem juridicamente, tecnicamente e estrategicamente estarão na linha de frente dessa nova era.

Edição Ralph Lichotti

Por Ultima Hora em 23/04/2025
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