Retrospectiva do ano que não queria acabar: eventos globais de 2024

Retrospectiva do ano que não queria acabar: eventos globais de 2024

RETROSPECTIVA DO ANO QUE NÃO QUERIA ACABAR: EVENTOS GLOBAIS DE 2024

No artigo passado, revisitei os principais acontecimentos que marcaram o Brasil em 2024. Hoje, atrevo-me a dar um passeio pelo nosso planeta – com um misto de curiosidade e temor –, buscando compreender as transformações, crises e os raros avanços que marcaram este ano que parecia resolvido a nunca acabar. O ano de 2024 ficará marcado como um período de intensas crises e grandes desafios globais.

Guerra na Faixa de Gaza?e na Ucrânia.

A Faixa de Gaza enfrenta grave crise humanitária devido ao confronto entre Israel e Hamas, causando milhares de mortes e milhões de deslocados. Apesar dos apelos da ONU, as negociações de paz falharam, evidenciando a fragilidade da diplomacia internacional e reacendendo debates sobre direitos humanos e o papel das grandes potências.

Na Ucrânia, o conflito com a Rússia intensificou-se em 2024, com sanções severas a Moscou. A Ucrânia busca recuperar território com apoio ocidental, enquanto a Rússia reforça retórica militar contra "agressão externa", gerando refugiados e questões sobre segurança energética europeia.

Crises na França e na Alemanha

Na Europa, França e Alemanha enfrentaram crises que desafiaram suas democracias e abalaram suas lideranças. Na França, os protestos contra a reforma previdenciária de Emmanuel Macron marcaram o ano, com greves paralisando setores essenciais e polarizando o debate público. No auge do caos, a sociedade francesa mostrou mais uma vez que domina a arte de derrubar governos com estilo: greves, barricadas, debates inflamados e, claro, a queda do primeiro-ministro. Se há uma coisa que os franceses sabem fazer, além de queijos e vinhos, é transformar crises políticas em verdadeiros espetáculos, mesmo sem guilhotina.

Já na Alemanha, Olaf Scholz teve menos glamour e mais dor de cabeça. Enfrentou uma crise energética, inflação persistente e o avanço da extrema-direita. A economia tropeçou, a coalizão governamental recebeu críticas de todos os lados, e a extrema-direita ganhou terreno.

Com França e Alemanha cambaleando, a estabilidade do bloco europeu ficou em xeque. Os motores da União Europeia, que antes rodavam suavemente, agora se envolviam diante de desafios internos complexos e de uma população cada vez mais impaciente. Afinal, até as maiores democracias podem dar uma derrapada – com ou sem estilo.

Eleições nos EUA e o Retorno de Trump

Donald Trump voltou à Casa Branca com votação folgada – para desespero dos institutos de pesquisa, que erraram mais uma vez e provaram que, na política americana, a margem de erro pode ser um abismo. Sua vitória com ampla margem não apenas surpreendeu o cenário político global, mas também consolidou sua base de apoio e reforçou sua retórica populista, inaugurando um novo capítulo na história da maior economia do mundo.

Trump já prometeu combater ainda mais às políticas de imigração e adotar um isolamento protecionista, reacendendo debates globais e domésticos. No plano interno, a polarização atingiu níveis em que a palavra “unidade” se tornou quase um insulto.

No cenário internacional, a reeleição de Trump trouxe incertezas entre aliados e adversários. Ele já sinalizou o abandono de compromissos ambientais e comerciais firmados nos últimos anos, deixando claro que sua visão da “América Primeiro” será ainda mais rigorosa nesta nova fase. A volta de Trump reacende discussões sobre o papel dos Estados Unidos na ordem global, com uma liderança que promete ser tão imprevisível quanto controversa.

A Reeleição de Maduro na Bolívia

Na América Latina, Nicolás Maduro protagonizou mais um capítulo controverso ao “vencer” as eleições presidenciais na Bolívia – um pleito tão legítimo, quanto um diploma de astrologia comprado na internet. Denúncias de fraude, manipulação de resultados e intimidação de opositores transformaram a eleição em um espetáculo de irregularidades que levantaram suspeitas ao redor do mundo.

Enquanto alguns governos, como os de Cuba e da China, celebraram a vitória como um marco do discurso anti-imperialista, a realidade interna era bem menos triunfal. Observadores internacionais e lideranças regionais foram contundentes nas críticas, apontando para um controle quase absoluto do aparelho eleitoral pelo governo. Para muitos, o pleito foi mais um exemplo gritante da orgia democrática, num país onde as instituições se dobram cada vez mais ao poder executivo e militar.

A “reeleição” de Maduro reacendeu o debate sobre o estado das democracias latino-americanas e deixou claro que, na política da região, as sombras do autoritarismo ainda rondam com força.

Mudanças Climáticas e Desastres Naturais

O clima não deu trégua. Furacões, secas, enchentes... 2024 parecia um capítulo perdido do Apocalipse. Registros de calor extremo sufocaram cidades, furacões devastaram o Caribe, secas severas castigaram a África e enchentes históricas inundaram a América do Sul, evidenciando que as mudanças climáticas estão cada vez mais fora de controle.

Na COP29, realizada em Baku, no Azerbaijão, os líderes globais renovaram compromissos financeiros para mitigar os impactos das mudanças climáticas, prometendo mais apoio aos países vulneráveis e destacando a necessidade de acelerar a transição energética. No entanto, como já virou tradição nesses eventos, as ações práticas ficaram adiadas para o famoso "próximo ano".

Barreiras políticas e econômicas continuam a travar medidas efetivas, enquanto o planeta segue lidando com os impactos de um clima cada vez mais imprevisível. Assim, entre promessas e adiamentos, o futuro ambiental do planeta segue incerto – e cada vez mais preocupante.

Crises Humanitárias

Conflitos armados e desastres naturais intensificaram a crise de refugiados em 2024, com milhões de pessoas, buscando segurança, são  números alarmantes, e o mundo, em grande parte, virou o rosto para não encarar a realidade. A ajuda humanitária foi insuficiente, e a solidariedade global, mais uma vez, ficou devendo.

A guerra na Faixa de Gaza liderou o cenário de deslocamentos em massa, mas em outras regiões, como o Sudeste Asiático e a África Subsaariana, ocorreram desafios semelhantes. Em cada uma dessas áreas, a combinação de violência, instabilidade política e mudanças climáticas agravou as dificuldades das populações mais vulneráveis.

Apesar dos esforços das organizações humanitárias, a resposta internacional ficou aquém do necessário, expondo não apenas a fragilidade das redes de apoio, mas também a falta de comprometimento dos países mais ricos em assumir responsabilidades. O cenário sublinhou a necessidade urgente de uma solidariedade global mais concreta – que, infelizmente, parece cada vez mais distante.

Houve Algo Positivo?

Sim, mas quase foi preciso uma lupa para encontrar. Embora pareça que em 2024 os fatos positivos tenham perdido de goleada, eles existiram, concentrando-se principalmente nos campos da tecnologia e dos esportes.

No setor tecnológico, 2024 foi um ano de inovações notáveis, especialmente no campo da inteligência artificial generativa. A IA não só alcançou novos patamares, mas também se expandiu para criar soluções criativas e práticas em setores como saúde, educação e segurança. Modelos de IA generativa foram utilizados para desenvolver conteúdo, desde textos e músicas até diagnósticos médicos personalizados. Além disso, a IA ajudou a prever padrões climáticos, monitorar pandemias e até contribuições para a resolução de conflitos, mostrando seu potencial não só para dados analisar, mas também para gerar soluções inovadoras.

A corrida espacial também voltou aos holofotes, com missões ambiciosas para a Lua e Marte dirigidas por empresas privadas e agências espaciais nacionais. A descoberta de moléculas orgânicas em um asteroide reacendeu esperanças sobre a compreensão da origem da vida e deixou a comunidade científica em polvorosa.

Nos esportes, os Jogos Olímpicos de Paris se destacaram não apenas pela inclusão de novos esportes, mas também pelo forte foco na inclusão de minorias. Na cerimônia de abertura, as minorias sexuais tiveram destaque, refletindo o compromisso do evento com a diversidade e a acessibilidade.

Além disso, a edição de 2024 foi marcada por uma maior representação de atletas de diferentes etnias, orientações sexuais e origens sociais. A inclusão de mais mulheres nas competições, a presença de mais atletas paralímpicos e a participação de países com históricos limitados de participação reafirmaram o esporte como um espaço para todos.

O compromisso com a sustentabilidade também foi destacado, demonstrando que grandes eventos podem ser organizados de forma sustentável, deixando um legado de esperança e inclusão para o futuro.

 

Conclusão

Se 2024 fosse um filme, seria aquele drama denso que você assiste uma vez e decide nunca mais revisitar. Entre raros lampejos de progresso, crises e retrocessos dominaram o ano, deixando claro que as promessas de mudança precisam ser acompanhadas de ações concretas. O futuro exige mais do que palavras vazias – ele exige coragem e, acima de tudo, decisões ousadas.

O ano foi, sem dúvida, um período de extremos, marcado por desafios profundos e alarmantes. As crises internacionais – da violência na Faixa de Gaza às políticas na Europa, passando pela reeleição de Trump – expuseram uma polarização crescente e uma ameaça constante à estabilidade global. Embora havendo avanços tecnológicos, como no campo da inteligência artificial e a inclusão nas Olimpíadas de Paris, a maior parte de 2024 foi ofuscada por retrocessos e incertezas.

Agora, com 2025 já em curso, é impossível ignorar que o mundo precisa agir de forma decisiva e sem mais procrastinação. Promessas vazias e soluções superficiais não têm mais espaço. O ano que começou exige respostas concretas para os desafios globais, e a mudança real precisa acontecer imediatamente. O futuro ainda é incerto, mas a urgência nunca foi tão clara – e o tempo para agir, cada vez mais curto.

 

Filinto Branco – colunista político

Por Ultima Hora em 04/01/2025
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