“Sem acordo”, diz LAMSA; volta o pedágio da Linha Amarela

Por Ralph Lichotti

“Sem acordo”, diz LAMSA; volta o pedágio da Linha Amarela

Em tempo de pandemia e crise econômica, devemos fazer reflexão sobre a importância da mobilidade social e a retomada econômica e ambas, necessariamente, ficarão prejudicadas caso o pedágio da Linha Amarela retorne, como parece que vai acontecer em breve. 

Nesse momento de crise sanitária e econômica os empreendedores não podem ter mais custos logísticos para manterem suas operações em funcionamento. Portanto, a volta iminente do pedágio a linha amarela pode se tornar, sim, um empecilho para a retomada do desenvolvimento econômico e social da cidade. 

O Artigo 5º, inciso XV, que garante o direito de ir e vir é cláusula pétrea na Constituição Federal, mas todos sabemos que ficou bem mais caro a logistica no Rio de janeiro desde que impuseram pedágios obscenos aos cariocas. No ponto de vista constitucional, se as concessionárias quisessem ganhar dinheiro honestamente, elas deveriam construir suas próprias estradas e não incluir pontos de pagamento nas vias construídas com o dinheiro dos municípes. 

Segundo fontes, cerca de 122 mil carros passam diariamente na Linha Amarela e o custo para ser operada pela Lamsa é de cerca de 100 milhões de reais por ano, ou seja a prefeitura, cobrando 2,47 de pedagio (ida e volta), faturaria R$ 108.186.000 (cento e oito milhoes e cento e oitenta e seis mil reais) e cobriria tranquilamente os custos operacionais para funcionamento da via, e manutenção de qualidade da via expressa. 

Porém, a realidade que se impõe é que faltando nove dias para a próxima tentativa de conciliação na Reclamação nº. 43697/RJ, no Supremo Tribunal Federal, a Concessionária Linha Amarela S/A (LAMSA) já deixou claro que não aceitará nenhuma caução ou indenização paga, a perda do contrato de exploração da via expressa, com o qual, a seu turno, explora a população do Rio de Janeiro. 

Em que pese o empenho do Ministro Luiz Fux, autor do Novo Código de Processo Civil, no qual é estimulada a conciliação, a Concessionária quer reverter o processo de encampação da via expressa, não aceitando caução oferecido pelo município, de quase 1 bilhão e meio pelo desmantelamento do contrato; prefere continuar cobrando pedágio dos cariocas para transitarem entre os bairros da mesma cidade onde vivem e trabalham. 

Ora, a Representação de Inconstitucionalidadenº. 0073142-71.2019.8.19.0000 foi proposta pela Associação Brasileira de Concessionáriasde Rodovias – ABCR em face da  Lei Complementar Municipal nº.213/2019, que autorizou a encampação da Linha Amarela, porque a lei “violaria o direito fundamental à justa indenização”, no caso, da Concessionária, de ser ressarcida pelo fim da concessão da via expressa; o Município do Rio de Janeiro ofereceu a possibilidade de indenização a LAMSA na audiência de conciliação de 9 de março próximo passado, e a Concessionária recusou. Então, a lei não é inconstitucional, porque o motivo para se pedir a suspensão liminar contra a lei, era por ela não prever a mesma indenização que a LAMSA agora rejeita. 

A Concessão pública consiste em ato unilateral, precário e discricionário do Poder Público. De acordo com o artigo 175, da Constituição Federal, “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. As concessões costumam ser temporárias e parciais, geralmente condicionadas a determinado conjunto de regras ou leis pré-estabelecidas por aquele que concede. Assim, o município tem a prerrogativa legal de retirar uma concessão quando julgar necessário ou quando o concessionário não cumprir com algumas das condições definidas. 

A Câmara Municipal aprovou em 1º de novembro, o Projeto de Lei Complementar (PLC) 143/2019, que autoriza o Município do Rio de Janeiro a encampar a operação e a manutenção da Linha Amarela, de cujos consideranda, se destaca o seguinte: 

“Considerando que consta do processo administrativo nº 24/000.168/2016 estudos realizados pela então Secretaria Especial de Concessões e Parcerias Público-Privadas – SECPAR, o qual concluiu que, em função do aumento de tráfego, a LAMSA estaria devendo à Prefeitura, já naquele ano, cerca de R$ 200.000,000,00 (duzentos milhões de reais), tendo o então prefeito encerrado o seu mandato sem que essa questão fosse resolvida; (...) 

Considerando que dentre prejuízos causados à população em decorrência da conivência de agentes públicos, destaca-se a não execução de obras, tal como a de alargamento do viaduto de Bonsucesso, onde a construção de uma estrutura física para acomodar mais uma pista de rolamento foi substituída, de forma absurda, pela redução da distância entre as faixas existentes, que eram antes de três metros e meio, e a pintura de novas faixas com intervalos de dois metros e oitenta centímetros, mas com o valor contratado e pago como se a obra tivesse sido realizada; 

Considerando a necessidade de promover imediato ressarcimento dos usuários da Linha Amarela, sem que haja comprometimento da adequada manutenção e da segurança das condições da via, ensejando na decisão de que o ressarcimento seja feito, parceladamente, por meio de suspensão de cobrança em apenas um dos sentidos, apresentando-se como medida menos gravosa à Concessionária; (...) 

Considerando que a prática de cobrança de valores exorbitantes e de corrupção de agentes públicos levada a efeito pela OAS, empresa contratada pela Concessionária, foi recorrente e objeto de escândalos país a fora, também foi constatada na construção do BRT Transcarioca, trecho 2, contou com a participação de servidores municipais, hoje condenados em processos que tramitaram pela 7ª Vara Federal Criminal, da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, a saber, o ex-Secretário de Obras do Município, ALEXANDRE PINTO, condenado a pena de vinte [e] três anos de reclusão, EDUARDO FAGUNDES, fiscal de execução da obra e ALZAMIR DE FREITAS ARAÚJO, fiscal a quem coube o aceite de obras, estes últimos condenados a dezesseis anos de reclusão cada, tudo no âmbito do processo judicial criminal nº 017407116.2017.4.02.5101 (operação “Rio 40 Graus”), sendo que ambos atuaram no contrato da LAMSA”. 

Entre outras considerações, avia dolorosa dos cariocas pela Linha Amarela começou em 2009, quando o então Secretário da Casa Civil do Prefeito Eduardo Paes (então em seu primeiro mandato), Pedro Paulo, propôs expandir o prazo da concessão, aumentando o valor real do pedágio, sem prejuízo do reajuste anual. Existem indícios robustos de superfaturamento desde então, e o contrato original ficou descaracterizado, após os até agora onze termos aditivos celebrados entre a prefeitura e a Concessionária. 

Se o pedágio tiver que ser mantido, o município do Rio de Janeiro deveria estabelecer a comunicação de todos os valores recebidos dos motoristas que passam pela Linha Amarela diretamente à Secretaria Municipal de Fazenda, para que se tenha como controlar qual é o real montante de dinheiro que entra com a circulação de veículos, e o que pode estar passando de forma subterrânea, para a Concessionária desprezar uma indenização bilionária pelo fim dos seus serviços. 

Assim, quiçá a LAMSA cogite de aceitar a indenização, visto que sempre se recusou a passar por qualquer processo fiscalizatório junto à prefeitura, em momento algum abriu os seus números, recibos e notas fiscais, nem demonstrou a composição dos seus custos, os quantitativos empregados, ou os materiais utilizados, dentre outros, como requerido pela prefeitura no curso do processo nº 04/551.375/2018, o que indica uma possível grande ocultação fiscal e tributária. 

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Perante o Superior Tribunal de Justiça, a LAMSA apresentou Agravo Interno, desafiado pela decisão liminar na SLS 2792/RJ, alegando que o ex-prefeito Marcello Crivella deveria estar “guarnecendo hospitais e provendo equipamentos e recursos para os profissionais de saúde, em vez de tentar medidas diversionistas como essa cruzada contra a cobrança de pedágio na linha amarela”, o que bem demonstra uma argumentação que tenta desviar o foco para que, justamente quando o Rio de Janeiro atravessa grave crise sanitária, social e econômica, o dinheiro dos contribuintes não pode mais ser desviado para atender aos luxos de uma Concessionária que cobra uma tarifa dentro do Município mais cara do que a cobrada na Ponte Rio-Niterói, ou em qualquer rodovia intermunicipal. Retomando a concessão, o dinheiro público poderá ser melhor empregado no combate à pandemia de coronavírus, além de desafogar o orçamento doméstico dos munícipes, muitos deles beneficiários de auxílio emergencial. 

As alegações da LAMSA de que teria gasto soma considerável na conservação da via expressa devem ser ouvidas com cautela: havendo, como há, suspeita de superfaturamento nas obras, então os valores apresentados pela Concessionária também não condiziriam com a realidade, o que uma auditoria externa poderia constatar, e dizer que o valor da indenização a ser paga pela Prefeitura deve ser muito inferior ao inicialmente oferecido. 

A Perícia judicial que ainda não foi iniciada na 6º Vara da Fazenda Pública da Capital, definirá se há indenização a ser paga a LAMSA, ou ao usuário. O município entende que não há indenização a ser paga, pois o prejuízo é ao usuário. A Lei de encampação prevê indenização, mas admite a amortização da indenização caso tenha havido excesso de lucro com prejuízo ao usuário, e a Auditoria da Contoladoria Geral da Prefeitura, constatou prejuízo ao usuário de R$1,7 bilhões de reais, em decorrência de excesso de pedágio cobrado. 

Foto: Reprodução/Agência Brasil.

Ralph Lichotti é advogado e jornalista, diretor do Tribuna da Imprensa Digital.

Presidente da Associação Nacional de Defesa dos Usuários de Transportes

Por Ralph Lichotti em 22/03/2021
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