TOLERÂNCIA ZERO, A MÍDIA E O SISTEMA DE JUSTIÇA

Por Guaraci de Campos Vianna Desembargador do TJERJ

TOLERÂNCIA ZERO, A MÍDIA E O SISTEMA DE JUSTIÇA

  O aumento no registro de casos de violência, tem colocado a cobertura jornalística dada a criminalidade em um pedestal, gerando um imenso debate sobre a natureza e as consequências desse fenômeno.
Por outro lado, não restam dúvidas que os meios de comunicação, com seus modos narrativos e suas rotinas produtivas próprias, envolve a todos com imagens contundentes e discursos por vezes, sensacionalistas. Normalmente atuam com ação amplificadora de uma visão quase sempre parcial e/ou incompleta.
Constantemente acusam a justiça como responsável pela violência causada por criminosos reincidentes que, no discurso midiático, teriam sido colocados em liberdade de forma antecipada ou injusta.
O discurso da pena rigorosa como único remédio para reprimir ou conter a criminalidade é cada vez mais exaltado e adotado por críticos e estudiosos no assunto.
Sem ter a pretensão de esgotar o tema (impossível neste espaço) mas com intuito de suscitar o debate, é preciso abordar a questão da violência e criminalidade sobe a ótica que envolve as relações entre o Direito e a Política, pois o que se observa é a judicialização do sistema politico e dos conflitos sociais, dando azo a novos discursos e práticas de segurança pública e justiça criminal.
O fato é que se torna imprescindível a implantação de um novo paradigma penal, posto que a humanização da pena e reabilitação do criminosos tem funcionado apenas no discurso, diante da notória ausência de políticas públicas que sinalizem a priorização de ações que viabilizem essas vertentes.
Entretanto a politica do encarceramento temporal, decantada como sendo de um radicalismo repressivo e punitivo, definindo a prisão como um mecanismo de defesa social, afasta-se da estratégia da  ressocialização para, em nome de uma repressão útil e justa, incentivar o caráter retributivo da pena como satisfação dos direitos da vitima e como proteção da ordem social, com a retirada de circulação do criminoso pelo maior tempo possível.
Essa política tem buscado apoio na tolerância zero, caracterizada como acentuação da repressão penal, acompanhada do recuo de politicas sociais e da aceitação da superlotação penitenciaria como um mal menor, tudo em nome da segurança pública, a primeira das liberdades.
Porém isso ensejaria uma mudança de paradigma em todas as esferas, uma guinada radical nas politicas publicas como, por exemplo, priorizando a construção de presídios, mudanças legislativas, parcerias efetivas entre a policia, o judiciário e a sociedade civil em torno do combate da pequena e média delinquência e da sensação de insegurança.
Uma reação especial se destaca, vinda do campo policial. A progressão da delinquência é interpretada por estes como decorrente da baixa do número de  detenções provisórias.
A partir de então, acentua-se o combate mais duro às condutas potencialmente ofensivas, interpretados como combustível para o aumento dos crimes violentos como a "economia subterrânea" do tráfico de drogas e armas e as ameaças terroristas.
Existem alguns dos riscos do encontro entre o "pacote de ideias" que acompanha as políticas de tolerância zero e uma produção que enfatiza as "ameaças globais" (criminalidade e violência). A suspeição generalizada e o princípio de precaução são destacados em suas consequências para a penalização e criminalização das classes populares, para a reativação de preconceitos raciais e xenofóbicos, com o afrouxamento dos protocolos investigativos, com o aumento das categorias criminais e da severidade das penas, e com a reincidência erigida em princípio de (auto)avaliação institucional.
Sem dúvida é preciso reparar não apenas a apuração, investigação e julgamento dos pequenos delitos (atos desrespeitosos)  da criminalidade violenta. No ambiente judicial a lei 9099/95 já estabelece os juizados especiais criminais para julgamento dos crimes onde a lei estabelece pena diminuta.
As atribuições dos órgãos públicos que atuam na persecução penal têm previsão na Constituição Federal, e confirmação na legislação infraconstitucional.
Até agora à Polícia Militar e à Polícia Rodoviária Federal cabem a missão de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública, e de patrulhamento ostensivo das rodovias federais, respectivamente (artigo 144, parágrafos 2º e 5º da CF).
Já à Polícia Civil e à Polícia Federal incumbem as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais (artigo 144, parágrafos 1º e 4º da CF).
A Lei 12.830/13, em seu artigo 2º, parágrafo 1º, estabelece que “ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei”.  
Ocorre que o STF (ADIns 6.245 e 6.264) validou decreto da presidência da República (artigo 6º do decreto 10.073/19) que deu competência à Polícia Rodoviária Federal para lavrar termo circunstanciado de ocorrência (TCO) de crime Federal de menor potencial ofensivo. Para o colegiado, o documento não tem natureza investigativa e pode ser lavrado por integrantes da polícia judiciária ou da polícia administrativa
Decidiu o relator, ministro Luís Roberto Barroso, que a previsão genérica do TCO da lei 9.099/95 é voltado apenas ao registro de ocorrências de crimes de menor potencial ofensivo. Não se trata de ato investigativo, pois sua lavratura não inicia nenhum procedimento que acarrete diligências: o termo, os autos e o suposto autor são encaminhados à autoridade judicial para que sejam adotadas as medidas previstas em lei.
Por fim, concluiu que a regra não usurpa prerrogativa exclusiva de investigação da Polícia Federal (polícia judiciária no âmbito da União).
Devemos, pois, considerar ser o momento de se pensar em uma mudança no âmbito das instituições investigativas e de registro, deixando a atribuição de registros dos crimes de menor potencial ofensivo a cargo do próprio poder judiciário ou de cada órgão público ligado à segurança pública que efetuou o flagrante delito, seguindo, em harmonia a orientação do Supremo Tribunal Federal (como, v.g., a Policia Militar dos estados).
Voltando ao tema da política de tolerância zero, como dito, esta pode levar a uma redução significativa dos índices de criminalidade, mas é preciso considerar seus aspectos sociais, a falta de proporcionalidade das punições sem potencial de discriminação, mas sobretudo e principalmente, na criação de um ambiente seguro o suficiente para a execução das penas e medidas socioeducativas, pois não adianta absolutamente nada se a decisão judicial a ser cumprida não tiver suficiente retaguarda para sua efetividade, como ocorre, aliás, hoje em dia com as penas mais severas, onde se estabelece praticamente uma obrigatoriedade na progressão de regime por inexistirem vagas suficientes para acolher os presos condenados.
Basta dizer que em fevereiro deste ano corrente (2025), o observatório nacional de direitos humanos registrava um déficit de mais de 200 mil vagas. O STF em outubro de 2023, estabeleceu a obrigatoriedade dos estados a elaborarem um plano para enfrentar os problemas do sistema penitenciário.
Portanto, o sistema de justiça não se resume ao Poder Judiciário, ele tem início na ação policial e, após, passa pelo juiz, descamba para o Poder Executivo e para a sociedade em geral, que tem o papel essencial de formar meios e modos para que a sentença seja cumprida e executada nos seus exatos termos.
A discussão do tema não é tão simples como muitos imaginam e, como acima apontado, a solução passa por todas as instituições, inclusive, pela sociedade em geral.

Por Ultima Hora em 25/03/2025

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