Trajetória que inspira o universo feminino

Trajetória que inspira o universo feminino

Esse é o mês que comemoramos o dia da mulher. Data oficializada em 1975 pela ONU, oriunda da luta de operárias em Nova York reivindicando melhores condições de trabalho e respeito à carga horária. Faz mais sentido ser lembrada e relembrada com tenacidade em um país onde mulheres ainda são discriminadas.

Não pode ser restrita a uma data comemorativa a mais no calendário. Vai além. Abraça vários significados de perseverança, luta extensa e aguerrida. Fato é que temos caminhos a percorrer, mas há mulheres que vêm trilhando jornadas que inspiram e nos impulsionam a enfrentar desafios e seguir em frente.                                           

Para celebrar a data nossa entrevistada é empreendedora, gestora e produtora cultural que há quarenta anos tem feito a diferença sendo uma das responsáveis pelo circuito teatral de qualidade no Rio de Janeiro, pelos melhores musicais produzidos no Brasil, com récitas país afora e inegável reconhecimento, mas, sobretudo, incansável e apaixonada pelo que faz.  

Com a palavra Aniela Jordan.

Rogéria Gomes: Como surgiu seu interesse pela cultura?

Aniela Jordan: Sou irmã de Dalal Achcar, bailarina, coreógrafa e empresária, que me apresentou ao mundo das artes. Comecei dançando ballet, mas cedo percebi que esse não era o meu talento e me voltei para o backstage.

RG: Quanto tempo tem de carreira?

AJ: Quarenta anos

RG: No teatro mais especialmente?

AJ: Vinte e dois anos

RG: Antes de se tornar gestora e produtora cultural, que atividades exerceu?

AJ: Comecei a carreira sendo iluminadora, numa época que não existia iluminação no Brasil, muito menos vinda de uma garota.  Não foi fácil no início. Era uma garota num mundo de homens trabalhando no palco. Mas aos poucos fui me impondo. Fui contratada como iluminadora pela FUNARJ, fundação cultural responsável pelo Theatro Municipal. Depois passei para chefe de palco, coordenadora técnica, diretora operacional e finalmente diretora de produção. Foram vinte anos de muito aprendizado, lidando com todas as companhias estrangeiras e montagens do Municipal. Também fui responsável pelo palco e pelo Centro técnica de produção que confeccionava todos os cenários e figurinos dos espetáculos.

RG: O que te fez caminhar na direção da gestão e produção cultural até chegar à criação da Aventura?

AJ: Depois de vinte anos como funcionária pública, decidi que era hora de ter a minha empresa de produção e montei a AXION, responsável pela vinda do Ballet de Tokyo, Ballet da Ópera de Paris, Les Ballets de Monte Carlo, entre outros. Produzimos o Festival de Ópera de Manaus durante três anos.  Em 2003 tive a oportunidade de montar o meu primeiro musical A Ópera do Malandro, de Chico Buarque, com direção de Charles Moeller e Claudio Botelho. Foi um sucesso estrondoso, ficando anos em cartaz no Rio e depois fomos para São Paulo e Portugal duas vezes. Depois disso produzi com a dupla vários musicais: Lado a Lado com Sondheim, Tudo é jazz, Cristal Bacharat,... até que compramos os direitos de A Noviça Rebelde em 2007. Nesse momento, entendi que era preciso crescer e procurei um sócio. A vida me apresentou ao Luiz Calainho que topou o desafio na hora. Em 2008 apresentamos a Noviça Rebelde, Beatles num céu de diamantes e 7 o musical, todos com grande sucesso e assim nasceu a AVENTURA.

RG: Qual a proposta da sua empresa?

AJ: Fazer arte e entretenimento de qualidade. Essa é a premissa.

RG: Como mulher a frente de empresas, sofreu discriminação? Como lidou com esse fator, em caso positivo?

AJ: A frente da empresa não.  Acho que eu já tinha bastante segurança para não permitir. Aprendi muito com meus tempos de iluminadora e técnica, quando de fato sofri bastante. Os técnicos simplesmente não me obedeciam.

RG: Acredita que as mulheres ainda sofrem muita discriminação e preconceito em seus ambientes de trabalho, principalmente em cargos lideranças?

AJ: Em cargos de liderança acho que menos porque a posição te respalda. Em cargos menores que competem com os masculinos acho que ainda existe.

RG: A cultura tem um olhar mais igualitário para as mulheres no seu ponto de vista?

AJ: Acho que sim. Não é um setor que discrimina.

RG: Como funciona seu olhar para as produções que decide realizar?

AJ: Busco a diversificação. A cada ano planejo produtos distintos para não cair no óbvio e fácil. E preciso gostar do assunto. Não acredito em produzir algo que não me interessa, só pelo ganho. A maior felicidade dessa profissão é a possibilidade de escolha.

RG: Ainda temos poucos incentivos a cultura, embora seja um setor que já se provou lucrativo. Quais os nós mais difíceis que precisam ainda de atenção?

AJ: Acho que as empresas patrocinadoras estão bem conectadas com os incentivos. O trabalho é conscientizar o governo ainda mais sobre a importância da cultura para a formação de um povo e também os patrocinadores sobre o benefício que esse apoio traz para a marca. Hoje em dia a marca se comunica com o seu cliente através do apoio as artes e a cultura.

RG: Não existe fórmula de sucesso, mas se pudesse apontar um caminho, qual seria?

AJ: Difícil... Foco, objetivo, relações e sobretudo paixão pelo fazer. Quem escolhe essa profissão tem que saber que se precisar não tem limite de horário, folga, férias...

RG: No que devemos avançar para que o teatro alcance ainda mais público?

AJ: Modernizá-lo. Falar a língua dos jovens. Trazer temas que façam sentido e façam pensar.

RG: Uma intuição para o futuro do teatro?

AJ: O teatro é vivo. Nada supera o ao vivo, mesmo com toda a tecnologia hoje em dia...

RG: O que mais te realiza e motiva como produtora cultural?

AJ: Uma vez produzi uma ópera no Theatro Municipal “Eugène Oneguine”, que veio do Chile, cenário complicadíssimo de vidro, chovia no palco... fiquei, eu e a técnica junto com o diretor, virando três dias e três noites. Na hora da estreia, o chefe da técnica estava comigo no fundo da plateia, os dois  mortos de cansaço, e quando abriu a cortina ele falou: “é por isso que a gente trabalha, né Aniela?”. Essa frase explica tudo.

RG: Trabalho que considera memorável?

AJ: Vários: Ópera do malandro, A noviça rebelde, Hair, Elis, a musical, Romeu & Julieta ao som de Marisa Monte, Chacrinha, o musical. Difícil escolher, já produzi mais de cinqüenta espetáculos, fora os do Municipal.

RG: Olhando no retrovisor da sua trajetória profissional, o que não faria de novo?

AJ: Acho que nada. Mesmo os espetáculos que deram menos certo foram aprendizados. Não posso reclamar da vida!

RG: Chegou onde imagina quando começou?

AJ: Muito além!, rs

RG: O melhor de trabalhar com cultura?

AJ: Levar arte da melhor qualidade para o público.

RG: Sonho profissional?

AJ: Nenhum específico: sou feliz em realizar as coisas que gosto

RG: Uma inspiração?

AJ: Minha irmã, Dalal Achcar, Walt Disney e Cameron Macintosh

RG: Próximos projetos?

AJ: Remontagem de Hair, numa novíssima versão que será incrível e a volta de Vozes Negras, a Força do Canto Feminino.

RG: Aniela por ela mesma?

AJ: A felicidade de ter duas filhas maravilhosas e dois netos que sou apaixonada. A possibilidade de sonhar e poder realizar os sonhos. A pergunta eterna: o que vou ser quando crescer?

Por Rogéria Gomes

Jornalista, escritora e diretora cênica

Teatroemcenanoradio@gmail.com

Por Ultima Hora em 20/03/2025
Aguarde..