Trump, China e o Eclipse do Império Americano: O Novo Tabuleiro Global

Trump, China e o Eclipse do Império Americano: O Novo Tabuleiro Global

A história nos mostra que todos os impérios têm seu prazo de validade. Grego, Romano e, agora, o Americano. Será o início do fim?

As primeiras medidas de Donald Trump em seu segundo mandato não decepcionaram quem esperava mais pólvora no barril geopolítico. Com um estalar de dedos – ou melhor, de caneta –, os EUA pularam fora do Acordo de Paris, deram as costas para a Organização Mundial da Saúde (OMS) e declararam emergência nacional na fronteira sul, reforçando a cruzada contra a imigração. “América Primeiro”, ele repete, mas o mundo já aprendeu que esse slogan geralmente significa “sozinho contra todos”.

Enquanto Washington se fecha em sua redoma protecionista, Pequim segue no jogo de paciência que domina como ninguém: investindo pesado em tecnologia, infraestrutura e diplomacia econômica. A China já não se contenta em ser a "fábrica do mundo" – agora quer ser a dona da patente e da narrativa. Seu domínio sobre inteligência artificial e semicondutores virou um espinho no calcanhar dos EUA, que tentam reagir, mas parecem estar perdendo a corrida.

E aí entra o fator-surpresa: DeepSeek. O nome pode soar como algo saído de um filme cyberpunk, mas a realidade é ainda mais impactante. Essa nova IA revolucionou o setor com uma eficiência energética e econômica que deixou as big techs americanas em pânico. NVIDIA, Microsoft, Google – gigantes que achavam que estavam surfando no topo da onda viram seu castelo de algoritmos ameaçado por uma avalanche chinesa. Se antes a questão era “quem desenvolve a IA mais potente?”, agora é “quem consegue fazer isso gastando menos?”.

O impacto foi imediato. As bolsas tremularam como folhas ao vento, os investidores correram para rever suas apostas e os políticos, claro, buscaram bodes expiatórios. Trump, nunca avesso a uma briga, promete sanções, barreiras comerciais e até a exclusão da DeepSeek dos mercados ocidentais. Mas será suficiente? O Ocidente pode tentar segurar a maré, mas o tsunami tecnológico já está em curso.

E o Brasil, onde se encaixa nesse tabuleiro de forças, entre um Ocidente em declínio e uma China em ascensão? A resposta, infelizmente, já é conhecida: um figurante de luxo, sempre à margem das grandes revoluções tecnológicas. Enquanto EUA e China disputam a supremacia na inteligência artificial, o Brasil segue refém da exportação de soja, minério de ferro e petróleo. Gigante agrícola e celeiro de riquezas naturais, sim, mas, quando se trata de inovação, não passa de fornecedor de matéria-prima para quem realmente domina as cadeias produtivas. Pequim já é seu maior parceiro comercial, e a dependência brasileira do mercado chinês para suas commodities é um laço difícil de romper. Ao mesmo tempo, os EUA seguem influentes, especialmente em defesa e tecnologia. O desafio do Brasil é evitar ser apenas um peão nesse jogo de gigantes e transformar sua posição em vantagem estratégica. Se jogar suas cartas, pode se tornar um elo entre esses dois mundos – e garantir que, no grande xadrez global, não seja apenas um espectador do eclipse americano.

A relação com nossa maior parceira, a China, não se baseia em tecnologia, e sim no velho modelo centro-periferia: exportamos grãos e ferro, importamos eletrônicos e maquinário de ponta. Enquanto a DeepSeek redefine os rumos da inteligência artificial, seguimos brigando por incentivos básicos à ciência e tecnologia. Mas o atraso brasileiro começa muito antes: na educação. Um país que mal garante alfabetização plena às suas crianças e trata as universidades como problema, e não solução, jamais será protagonista no século XXI. Sem um sistema educacional que forme cientistas, engenheiros e profissionais capacitados para uma nova economia, qualquer tentativa de salto tecnológico será apenas discurso vazio.

A lição desse novo cenário é clara: ficar parado equivale a andar para trás. O mundo está sendo redesenhado, e a tecnologia se tornou uma nova chave do poder. O Brasil pode continuar assistindo ao jogo de camarote – ou decidir que chegou a hora de entrar em campo. Mas, para isso, será preciso muito mais do que discursos sobre soberania. Sem um projeto real de inovação e uma revolução educacional, seguirá como sempre: exportando commodities e importando o futuro.

Na Europa, o clima também é de incerteza. O Velho Continente enfrenta uma crise de identidade: continuará como coadjuvante na disputa entre EUA e China ou finalmente assumirá um papel de protagonista? Com a guerra na Ucrânia sugando recursos e testando a coesão da União Europeia, o bloco precisa decidir se investe pesado em inovação ou se conforma com um papel secundário no futuro digital.

O problema é que a Europa ainda é refém de uma indústria tradicional que não acompanhou o salto tecnológico. Enquanto EUA e China dominam o setor, o continente é um espectador. Sem um Google, Apple ou Tencent para chamar de seu, o bloco depende de soluções externas e não tem poder de jogo para ditar as regras do digital. Para piorar, seus dois motores econômicos, Alemanha e França, patinam. Os alemães ainda não se recuperaram do choque pós-sanções à Rússia, enquanto os franceses seguem imersos em protestos e instabilidade política.

O Velho Continente vive seu dilema de sempre: ser um ator independente ou continuar na sombra de Washington. Entre a crise energética, a dependência industrial e os ventos incertos da guerra na Ucrânia, a União Europeia precisa decidir se se reinventa ou aceita, mais uma vez, o papel de coadjuvante.

O tabuleiro está redesenhado. A China está em ascensão, os EUA tropeçam em sua própria arrogância e a Europa tenta encontrar um caminho. O eclipse do império americano pode não ser imediato, mas já dá seus sinais. A diferença entre as potências não é apenas de poderio econômico ou militar, mas de visão de futuro. Enquanto Washington se perde no saudosismo protecionista e Bruxelas segue ensaiando uma independência que nunca chega, Pequim aposta em inteligência artificial, energia limpa e uma nova ordem global.

No fim das contas, a história nos ensina uma lição simples: impérios sobem e descem, hegemonias vêm e vão. O que estamos assistindo pode ser o começo de uma nova era, na qual o Ocidente já não dita todas as regras do jogo. Mas, como sempre, o tabuleiro é traiçoeiro, e qualquer movimento em falso pode custar caro. Resta saber quem fará a próxima jogada – e se ela será um xeque-mate ou apenas mais um lance apressado no jogo do poder global.

Filinto Branco – Colunista político

Por Ultima Hora em 02/02/2025

Comentários

  • Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!

Notícias Relacionadas

Retrospectiva das esquisitices do ano de 2022
14 de Janeiro de 2023

Retrospectiva das esquisitices do ano de 2022

China critica EUA por formar grupos traçando linhas ideológicas
11 de Fevereiro de 2022

China critica EUA por formar grupos traçando linhas ideológicas

Aliança Global espera alcançar 500 milhões de pessoas 
19 de Novembro de 2024

Aliança Global espera alcançar 500 milhões de pessoas 

Papa Francisco passa por terapia respiratória e tem boa recuperação
11 de Junho de 2023

Papa Francisco passa por terapia respiratória e tem boa recuperação

Aguarde..